– por Luciana Guimarães Betenson
Muito se vem discutindo sobre a validade de contratos assinados por meios digitais – e mesmo por outros meios não convencionais.
Recentemente, vimos discussões sobre a validade de contratos assinados por emojis e até a validação de contrato firmado por meio digital com selfie e biometria.
Voltando aos meios digitais, a assinatura digital de contratos passou a ser amplamente utilizada nos últimos anos em virtude da sua praticidade e segurança. É uma solução rápida e moderna que criptografa alguns dados para que sejam utilizados na validação de documentos e que pode, assim, substituir completamente a assinatura manuscrita.
A adoção das assinaturas digitais também trouxe questionamentos sobre a validade desse tipo de contrato no judiciário. No ano de 2018, a 3ª turma do STJ reconheceu que é possível executar dívida fundada em contrato eletrônico, ao julgar recurso especial apresentado pela Funcef – Fundação dos Economiários Federais. A Funcef buscava cobrar um devedor que havia firmado contrato por meio eletrônico e teve sua demanda negada pelo juízo de 1ª instância, que entendeu que faltavam requisitos de título executivo ao documento, principalmente a ausência de assinaturas de testemunhas. O entendimento foi mantido pelo TJ/DF e a Funcef levou o caso ao STJ, que entendeu que o contrato digital tem a mesma validade que os contratos assinados em papel.
O ministro relator Sanseverino concluiu que o contrato eletrônico é título executivo e válido quando conta com assinatura digital e que a ausência de testemunhas, por si só, também não afasta a executividade do contrato eletrônico. Reconheceu a importância econômica e social desses acordos firmados online atualmente. O voto foi seguido pela maioria (STJ – REsp: 1495920 DF 2014/0295300-9, relator: ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 15/05/18, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/18).
A larga utilização das assinaturas digitais e as discussões em seu entorno culminaram com a promulgação da lei 14.063/20, que veio para regular o funcionamento das assinaturas em ambientes digitais perante o poder público e trouxe um norte para o reconhecimento da validade das assinaturas eletrônicas no Brasil. O art. 4º dessa lei classifica os tipos de assinaturas eletrônicas e expressamente tipifica a assinatura eletrônica “avançada”, que “utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável”.
A fim de resolver a insegurança com relação às assinaturas eletrônicas, finalmente foi promulgada a lei 14.620/23, que traz duas novas disposições sobre o tema, uma vez que
(a) reconhece a eficácia executiva de documentos assinados eletronicamente e certificados por entidades não credenciadas na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras/ICP – BRASIL e, ainda, (b) dispensa a exigência de assinatura de testemunhas em contratos firmados por meios digitais quando a integridade das assinaturas das partes for conferida por um provedor de assinaturas eletrônicas. Assim, o art. 34 dessa lei altera o art. 784 do CPC, que trata dos títulos executivos extrajudiciais, incluindo nele o parágrafo 4º, que expressamente prevê que “nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura”.
Sendo a lei 14.620/23 uma novidade, é recomendável cautela e excesso nos contratos firmados por meios eletrônicos nos próximos meses. A orientação geral é de se manter a inclusão, ao final dos contratos, de uma disposição ressalvando que “as partes expressamente concordam que este contrato poderá ser assinado digitalmente. Nessa hipótese, por força da lei 14.620/23, fica desde já estabelecido que (i) será válida e plenamente eficaz qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei e (ii) ficam dispensadas as assinaturas das testemunhas quando a integridade das assinaturas das partes for conferida por provedor de assinaturas. A data de assinatura desse documento será a data em que a última assinatura digital ocorrer”.
Com o tempo tal disposição poderá ser abandonada, tendo em vista a mais ampla utilização e aceitação dos contratos por meios eletrônicos e assinados digitalmente, que vieram para trazer mais celeridade, rapidez e segurança às contratações.
Luciana Guimarães Betenson é advogada formada pela USP, atua no escritório Mendonça de Barros Advogados na equipe de Consultoria e Contratos, com experiência na elaboração e análise de contratos comerciais, bem como em auditorias de contratos e no aconselhamento jurídico para empresas em geral.
Fonte: Migalhas